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Qual o impacto das ondas de calor nos internamentos em Portugal? Um alerta de Saúde Pública

As alterações climáticas representam um dos desafios globais mais urgentes do século XXI, tendo o ano de 2023 sido o mais quente alguma vez registado. A ocorrência de eventos meteorológicos extremos constitui uma das maiores preocupações atuais, em particular as ondas de calor, cuja frequência, intensidade e duração se estima que aumentem nas próximas décadas [1].


De acordo com a mais recente avaliação de risco climático [2], a Europa é o continente que está a aquecer mais rapidamente em todo o mundo, duas vezes mais rápido do que a média planetária [3]. Compreender o impacto das ondas de calor é por isso essencial para a adaptação dos cuidados de saúde. A ocorrência destes fenómenos é reconhecida como sendo um grave problema de saúde pública, devido à sua associação a um aumento de morbilidade e mortalidade potencialmente evitável. Contudo, até agora, os estudos existentes sobre calor centraram-se no estudo da mortalidade, atribuindo pouca atenção à morbilidade associada. Constatou-se, uma lacuna significativa na compreensão do efeito na saúde da população da exposição ao calor extremo, tanto no que concerne às diferentes causas de internamento como nas faixas etárias afetadas.



Por esse motivo, numa colaboração entre a Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa e o Centro CoLAB + ÂTLANTIC, procurámos estimar o impacto das ondas de calor nas admissões hospitalares, em Portugal. Analisámos e cruzámos mais de 12 milhões de hospitalizações em todo o território continental com dados de temperatura diária do ar, abrangendo múltiplas ondas de calor, durante praticamente duas décadas (de 2000 a 2018).


Os resultados demonstraram que em dias de onda de calor os internamentos hospitalares aumentam 18,9% em Portugal [4], um incremento de praticamente 20% da linha basal. Este aspeto ilustra como as ondas de calor podem sobrecarregar os sistemas de saúde, comprometendo a qualidade dos cuidados prestados, especialmente nesta época de verão, em que as equipas já estão reduzidas devido ao período de férias estival.


Outra conclusão importante deste estudo foi o motivo da admissão hospitalar. Observou-se pela primeira vez que o impacto das ondas de calor é de tal forma marcado que aumenta significativamente os internamentos em todas as 25 Grandes Categorias de Doença*. O maior aumento foi nos internamentos por queimadura (34,3%), evidenciando os perigos da exposição ao sol prolongada e dos acidentes por contato direto com superfícies quentes. As lesões traumáticas foram a segunda categoria que mais aumentou (26,8%), refletindo os riscos da fadiga relacionada com o calor, da condução sob o efeito de álcool e dos acidentes de viação. Outras causas de aumentos notáveis nos internamentos em dias de ondas de calor foram a doença infeciosa (25,4%), endócrina (25,1%), mental (23,0%), respiratória (22,4%) cardíaca e circulatória (15,8%), entre outras.


Adicionalmente, embora tenhamos identificado que as ondas de calor causam um aumento significativo dos internamentos hospitalares em ambos os sexos e em todas as idades, as crianças são o grupo mais afetado (21,7%). Este aumento mostra a vulnerabilidade das crianças (face à maior superfície corporal e imaturidade na regulação da temperatura) e destaca a necessidade de ações de sensibilização nas escolas e junto dos cuidadores sobre os riscos do calor.


Também os adultos (18-64 anos) registaram um aumento significativo dos internamentos (19,7%), reforçando a importância da promoção de medidas de saúde ocupacional, como hidratação regular, acesso a sombreamento e ajuste do horário laboral às horas de menor calor. No caso dos idosos, registou-se um aumento nos internamentos de 17,2%, enfatizando a necessidade de sensibilização desta população para a identificação precoce de sinais e sintomas de desidratação e descompensação, bem como de proporcionar zonas climatizadas, fortalecer o apoio social e garantir o acesso facilitado ao transporte para assistência médica.


Outro ponto forte deste trabalho foi a quantificação do efeito de múltiplas ondas de calor para todos os 278 concelhos de Portugal continental, mostrando que mais de 70% dos concelhos registam um aumento no risco de hospitalização durante as ondas de calor, particularmente nas regiões do Norte e de Lisboa.


Em suma, até recentemente a ocorrência de ondas de calor era considerada um fenómeno raro em todo o mundo. No entanto, a evidência científica mostra que as ondas de calor estão a tornar-se características comuns de verão. Estima-se que no final do século XXI, o Sul da Europa exceda 60 dias de onda de calor por ano [5] e que as mortes relacionadas com o calor tripliquem na Europa [6].


Como a morbilidade precede geralmente a mortalidade, promover o acesso precoce aos cuidados de saúde, melhorar os sistemas de monitorização e vigilância de calor e aumentar a consciencialização pública sobre os riscos e comportamentos em ondas de calor é fundamental para prevenir a doença e a mortalidade subsequente. Ao objetivar pela primeira vez o impacto das ondas de calor na saúde da população portuguesa, este estudo contribui para a interface ciência-política, gerando conhecimento para que os decisores políticos possam agir no sentido de minimizar e mitigar os efeitos das alterações climáticas na saúde, alinhando-se com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável definidos pela ONU para 2030.


* (definidas pela Classificação Internacional).


 

Referências:

  1. Climate change, impacts and vulnerability in Europe 2016. An indicator-based report. European Environment Agency, 2017. Report No 1/2017. doi:10.2800/534806

  2. European Climate Risk Assessment. Executive summary. European Environment Agency, 2024.  Report No 1/2024. doi:10.2800/204249

  3. Van Daalen KR, at al. The 2024 Europe report of the Lancet Countdown on health and climate change: unprecedented warming demands unprecedented action. Lancet Public Health. 2024 Jul;9(7):e495-e522. doi: 10.1016/S2468-2667(24)00055-0. Epub 2024 May 12. Erratum in: Lancet Public Health. 2024 Jul;9(7):e420. doi: 10.1016/S2468-2667(24)00129-4.

  4. Alho AM, Oliveira AP, Viegas S, Nogueira P. Effect of heatwaves on daily hospital admissions in Portugal, 2000-18: an observational study. Lancet Planet Health. 2024 May;8(5):e318-e326. doi: 10.1016/S2542-5196(24)00046-9.

  5. European Environment Agency Report. Climate change as a threat to health and well-being in Europe: focus on heat and infectious diseases. No 07/2022. doi: 10.2800/67519. 2022. Available from: https://www.eea.europa.eu/publications/climate-change-impacts-on-health

  6. García-León D, Masselot P, Mistry MN, Gasparrini A, Motta C, Feyen L, Ciscar JC. Temperature-related mortality burden and projected change in 1368 European regions: a modelling study. Lancet Public Health. 2024 Aug 16:S2468-2667(24)00179-8. doi: 10.1016/S2468-2667(24)00179-8. Epub ahead of print. PMID: 39181156.


 


Ana Margarida Alho

MD, DVM, PhD

Médica Interna de Saúde Pública na ULS Santa Maria

Investigadora na Escola Nacional de Saúde Pública - Universidade Nova de Lisboa

Vogal na Direção do Conselho Português para a Saúde e Ambiente

Seconded National Expert - DG-HERA (Health Emergency Preparedness and Response Authority)

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