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Os desafios da (falta de) aposta na Promoção da Saúde em Portugal

A promoção da saúde é um conceito fundamental para a melhoria da qualidade de vida das populações, indo além do tratamento de doenças e focando no bem-estar integral dos indivíduos. Em Portugal, a falta de investimento em promoção da saúde tem sido um problema identificado. Nos últimos anos, o investimento em promoção da saúde tem sido marginal no orçamento total da saúde[1,2]. Esta realidade tem-se mantido relativamente constante nas últimas décadas, refletindo um subfinanciamento crónico nesta área. A OCDE tem destacado que este baixo investimento em promoção da saúde contribui para a sobrecarga dos serviços de saúde e para a prevalência de doenças crónicas [3,4]. Os Relatórios de Avaliação de Desempenho e Impacto do Sistema de Saúde (RADIS) também sublinham a necessidade de aumentar o financiamento em promoção da saúde para melhorar os resultados em saúde e reduzir as desigualdades[5].


A falta de promoção da saúde tem consequências significativas. Em termos gerais, a ausência de medidas preventivas e de promoção da saúde leva a um aumento da incidência de doenças crónicas, maior mortalidade prematura e uma sobrecarga dos sistemas de saúde. Em Portugal, a sobrecarga dos serviços de urgência é um problema recorrente, com muitos casos que poderiam ser evitados através de medidas preventivas[6]. As urgências hospitalares frequentemente enfrentam tempos de espera elevados, com alguns hospitais a operar consistentemente com taxas de ocupação acima de 80%[7,8]. Esta situação é agravada pela falta de acesso a cuidados primários, levando muitos doentes a procurar as urgências para problemas que poderiam ser resolvidos em centros de saúde. Esta realidade pode ser melhor ilustrada como uma inundação. A falta de medidas de prevenção de cheias (medidas de prevenção da doença e promoção da saúde) leva a inundações devastadoras (elevada carga de doença e ocorrência de mais episódios de doença aguda ou de agudização de doenças crónicas), obrigando os serviços de socorro a terem de acudir a múltiplas ocorrências em simultâneo (a sobrecarga insustentável das urgências hospitalares, agravada pela ausência de recursos em número suficiente).


Apostar em promoção da saúde significa apostar na capacitação dos indivíduos e das comunidades para aumentar o controlo sobre a sua própria saúde, melhorando assim a qualidade de vida e reduzindo a incidência de doenças. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a promoção da saúde é essencial para alcançar a equidade em saúde, pois aborda os determinantes sociais, económicos e ambientais que influenciam a saúde[9]. Ao focar-se em fatores como a educação, o emprego, a habitação e o ambiente, a promoção da saúde ajuda a reduzir as desigualdades e a garantir que todos tenham acesso às condições necessárias para uma vida saudável. Além disso, fortalece a prática de hábitos de vida saudáveis, como a prática de exercício físico, a alimentação saudável, e a adoção de comportamentos como não fumar e não consumir bebidas alcoólicas.

Os impactos positivos da promoção da saúde são vastos e incluem a redução da mortalidade prematura, a melhoria da qualidade de vida, a diminuição dos custos com cuidados de saúde, e benefícios noutras áreas da sociedade, como a educação, o trabalho e a economia. Indivíduos saudáveis são mais produtivos, têm melhor desempenho escolar e estão mais aptos a contribuir para a economia.


Diversos países têm implementado com sucesso programas de promoção da saúde, demonstrando, claramente e inequivocamente, o impacto positivo de implementar estes programas. Na Finlândia, o programa "North Karelia" foi pioneiro na redução das taxas de doenças cardiovasculares. Este programa, iniciado nos anos 70, focou-se na redução do consumo de tabaco e na promoção de uma alimentação saudável através de campanhas de educação em saúde e mudanças nas políticas alimentares[10]. Na Austrália, o programa "Healthy Together Victoria" promoveu a saúde em escolas, locais de trabalho e comunidades, implementando iniciativas como hortas comunitárias, programas de atividade física e campanhas de sensibilização sobre alimentação saudável[11]. Na Islândia, o programa "Youth in Iceland", iniciado nos anos 90, focou-se na ocupação dos tempos livres das crianças e adolescentes, oferecendo atividades desportivas e culturais. Este programa resultou numa drástica redução do consumo de álcool e tabaco entre os jovens, transformando a Islândia num dos países com menores taxas de consumo de substâncias na Europa[12].

 

Mas a promoção da saúde é, por natureza e de forma inequívoca, multissectorial. Isso significa que envolve a colaboração de diversos sectores além da saúde, como educação, transporte, ambiente e trabalho. A intersectorialidade é crucial para abordar os complexos determinantes da saúde e garantir que as políticas e ações sejam eficazes e sustentáveis. Por exemplo, políticas de urbanismo que promovem espaços verdes e ciclovias incentivam a atividade física e melhoram a saúde mental dos residentes. Além disso, a colaboração entre escolas, locais de trabalho e comunidades pode criar ambientes mais saudáveis e apoiar a adoção de estilos de vida saudáveis. Além disso, a colaboração entre escolas, locais de trabalho e comunidades pode criar ambientes mais saudáveis e apoiar a adoção de estilos de vida saudáveis.


Para promover a saúde de forma eficaz, é necessário, muitas vezes, pensar fora da caixa e implementar novas intervenções. Uma proposta inovadora seria a introdução de um cheque desporto para todas as crianças, que poderia ser utilizado em clubes desportivos, escolas de dança e música. Esta medida incentivaria a prática de atividades físicas e culturais, melhorando a saúde física e mental das crianças, fortalecendo as relações familiares e apoiando a economia local através do aumento da procura por serviços desportivos e culturais. Outra intervenção seria aumentar a oferta de locais para a prática desportiva gratuita, como parques e centros comunitários, garantindo que todas as populações tenham acesso a espaços adequados para a atividade física. Além disso, o ordenamento do território poderia incluir a criação de zonas peri-escolares sem trânsito, permitindo que as crianças se desloquem a pé para a escola de forma segura e vigiada pela polícia. Mas também se podem aproveitar e aperfeiçoar medidas já implementadas e cujo potencial não foi completamente atingido, como a saúde escolar. Apostar num programa nacional de saúde escolar renovado, centrado no ganho de competências socioemocionais (como autoestima, autoimagem positiva, assertividade, respeito mútuo, tolerância e dignidade individual) e que aborde os diferentes temas relacionados com a saúde (como alimentação, exercício físico, sono, substâncias aditivas, práticas sexuais seguras, entre outros), transmitindo aos alunos conhecimento organizado e estruturado, semelhante em todas as partes do país, é essencial para formar cidadãos mais conscientes e saudáveis.


Investir em promoção da saúde é essencial para melhorar a qualidade de vida e reduzir a carga de doenças. Através de uma abordagem multissectorial e de exemplos bem-sucedidos de outros países, Portugal pode, e deve, desenvolver estratégias eficazes para enfrentar os desafios atuais e futuros da sua população. Cabe aos Médicos de Saúde Pública e às equipas multiprofissionais dos Serviços de Saúde Pública locais, regionais e nacionais, a difícil missão de liderar este processo e encontrar pontes de encontro e de comunicação entre os diferentes setores da sociedade, trazendo a evidência do impacto positivo destas políticas na vida de todos e nos diferentes setores da sociedade. A criação das ULS pode ser uma oportunidade para iniciar esta mudança. Mais uma vez, as Unidades de Saúde Pública locais podem, e devem, constituir-se como fortes defensores destas medidas, apresentando aos seus superiores os diferentes cenários de utilização de recursos e de gastos financeiros associados à aposta ou não em programas de prevenção da doença e promoção da saúde. Para que os próprios Conselhos de Administração das ULS possam apostar, cada vez mais, nesta área de intervenção na saúde dos seus utentes.


Depois, apenas é preciso mudar mentalidades…






Gustavo Tato Borges

Médico de Saúde Pública

Unidade Local de Saúde Santo António

Presidente da Mesa da Assembleia Geral


CONTACTOS

Av. Almirante Gago Coutinho, 151

1749-084 Lisboa

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