top of page

Mais do que informar | A literacia como forma de estar, pensar e comunicar

Enquanto profissionais de saúde, como podemos integrar a literacia em saúde em políticas, serviços e estratégias de comunicação para facilitar a mudança de comportamentos e reduzir as desigualdades em saúde?


Literacia em saúde | Que chavão é esse que todos usam agora?

Trabalhar a literacia em saúde sem a compreender é como promover saúde sem saber quais são os seus determinantes. A literacia em saúde tornou-se um tema recorrente no discurso em intervenções comunitárias, nos serviços de saúde, nas universidades, nos centros de investigação - e com razão! Mas permanecem algumas dúvidas de como o fazer da melhor forma.

Não é raro haver alguma confusão entre a comunicação em saúde e a literacia em saúde – são conceitos complementares, que se potenciam mutuamente. A comunicação em saúde refere-se aos processos planeamento, produção, transmissão de mensagens com o objetivo de influenciar decisões e comportamentos (lembremo-nos que podemos considerar estratégias de comunicação internas e externas à nossa instituição) [1].

Por sua vez, a definição de literacia em saúde amplamente aceite, proposta por Kristine Sørensen, baseia-se em quatro componentes essenciais [2]:

  1. Aceder à informação: sabem onde a procurar e como a obter?

  2. Compreender a informação: conseguem interpretar adequadamente os conteúdos?

  3. Avaliar a informação: são capazes de comparar com outras opções e julgar se é credível, relevante e aplicável à sua situação?

  4. Aplicar a informação: conseguem usá-la para tomar decisões, realizar intervenções e adotar comportamentos diferentes?


Figura 1. Modelo integrado de literacia em saúde, por Kristine Sørensen [2].
Figura 1. Modelo integrado de literacia em saúde, por Kristine Sørensen [2].

O Inquérito Nacional de Literacia em Saúde (HLS19-Q12) realizado entre 2020 e 2021 mostra que mais de metade dos portugueses têm dificuldades em pelo menos uma destas dimensões [3]. Por sua vez, Don Nutbeam distingue ainda entre três tipos de literacia: funcional (os materiais são legíveis e conseguem ser lidos sem ajuda?), interativa ou comunicativa (consegue extrair a informação que necessita e aplicá-la no dia-a-dia?), e crítica (avalia a informação de forma detalhada, considerando vieses, credibilidade e utiliza-a para tomar decisões?) [4,5]. Sabemos que a saúde pública está presente em todas as áreas, e como tal importa também salientar o conceito de literacia em saúde pública, no qual o foco deixa de ser o indivíduo para ser a comunidade, abrangendo a intervenção sobre serviços e determinantes de saúde, contextos sociais e comportamentos [6,7].

“Olá, o meu nome é…” | Conhecer antes de fazer

Se não conhecemos o nosso público-alvo, não estamos a comunicar: estamos a falar, na esperança de que nos ouçam. A segmentação de audiências não é marketing comercial - é uma estratégia prática ética e eficaz. Ao desenvolver um programa de rastreio ou uma campanha de vacinação, devemos saber: quem são as pessoas, quais as suas preocupações e como acedem à informação [8]. E isto não se aplica apenas aos utentes, mas também a profissionais de saúde ou quaisquer stakeholders envolvidos nos projetos – o stakeholder mapping é um dos passos cruciais para garantir a implementação de qualquer projeto e evitar que este fique na gaveta [9,10]. Este passo é ainda mais relevante nas Unidades de Saúde Pública, se considerarmos os diferentes públicos-alvo com quem interagem [11].

Os cidadãos não devem ser meros recetores passivos de informação, devem ser envolvidos ativamente. Por exemplo, realizar breves entrevistas exploratórias com utentes, testar protótipos de materiais em grupos focais ou criar questionários rápidos para diagnóstico antes de desenhar uma intervenção [8,12]. E quando tal não é possível, podemos usar inteligência artificial para antecipar dúvidas, padrões de busca e tópicos sensíveis — embora nunca como substituto da interação humana [13]. E já existem recursos estruturados que podem ser adaptados à realidade local – desde 2012 que o ECDC têm um pequeno manual sobre marketing social em saúde pública, o qual recomendo a leitura [14].

 

Claro como a água | A literacia como um imperativo institucional

Se os nossos serviços são difíceis de navegar, não podemos culpabilizar as pessoas — é uma falha do sistema. E hoje sabemos que é precisamente aqui que reside a principal fragilidade, em termos de literacia em saúde em Portugal – cerca de 65% das pessoas têm dificuldades em navegar no sistema de saúde [2]. A literacia em saúde não se esgota nas capacidades individuais, mas envolve também a literacia nas organizações de saúde. Kristine Sørensen define esta dimensão como a capacidade das instituições para disponibilizarem informação acessível, clara, acionável e culturalmente adequada, através de [15]:

  • Serviços de atendimento ao utente que explicam os circuitos que tem no hospital e fora dele;

  • Formulários e folhetos que utilizam linguagem clara e se encontram atualizados;

  • Aplicação de questionários de satisfação e decisões partilhadas com os utentes;

  • Formação para profissionais melhorarem a sua capacidade de comunicação em diferentes contextos.


Figura 2. Modelo conceptual para sistemas de saúde promotores de literacia [15].
Figura 2. Modelo conceptual para sistemas de saúde promotores de literacia [15].

Numa altura em que existem Unidades Locais de Saúde (ULS) com diferentes serviços, onde nem sempre conhecemos todos os recursos e projetos existentes, torna-se ainda mais urgente trabalhar estes aspetos. A comunicação a nível institucional não pode ficar-se apenas pela assessoria de imprensa e gestão de redes sociais – deve ser reforçada e expandida além dessas funções. É essencial que as ULS apostem nesta área de forma estruturada, considerando o seu potencial para reduzir as barreiras no acesso, incentivar a participação ativa dos utentes, melhorar a integração de serviços de saúde, dinamizar parcerias externas e promover comportamentos mais saudáveis [16].

 

Cuidar de Comunicar | A necessidade de capacitar todos os profissionais

Comunicar não é uma competência acessória, é essencial [17]! Apesar da omnipresença da literacia em saúde, continuamos a falhar na sua integração sistemática na formação dos profissionais e sua aplicação na prática [18]. E os seus impactos verificam-se em áreas tão distintas como programas de saúde escolar, prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, vacinação, rastreios e resposta a emergências. Por exemplo, na Alemanha já se fala em Escolas Promotoras de Literacia em Saúde – sendo esta área com tanta tradição em Portugal, ainda podemos melhorar muito na forma como trabalhamos a literacia em saúde em contexto escolar [19]. Sem avaliar, não conseguimos melhorar. E sem dados, continuamos a planear sem base em evidências. As intervenções que fazemos devem ser alvo de avaliação e atualmente já existem vários instrumentos para avaliar a literacia em Portugal, tanto a nível individual como institucional [20] – nem de propósito, já conheces “a” LISA [21]?

Temos assistido a uma progressiva integração destas matérias em currículos universitários, mas é também fundamental assegurar a capacitação ao longo da vida e da carreira profissional. O investimento tem sido feito e existem várias referências que se destacam - “Só” falta conhecê-las, divulgá-las e implementá-las:

  • Plano Nacional de Literacia em Saúde e Ciências do Comportamento 2023-2030 [12];

  • Manual de Boas Práticas de Literacia em Saúde – Capacitação dos Profissionais de Saúde [22];

  • Referencial para Desenvolvimento de Projetos Promotores de Literacia em Saúde [23];

  • Health Literacy Universal Precautions Toolkit [24].

 

Ativar o mindset da literacia em saúde | Uma mudança de corpo inteiro

A literacia deve ser uma constante em tudo o que fazemos. Quando criamos um projeto, envolvemos o público a quem se destina? Quando divulgamos orientações de um plano de contingência, será que estas são compreendida por quem as deve aplicar? Quando preparamos uma apresentação, utilizamos os recursos como forma de apoiar a mensagem verbal e não complicar? Quando preparamos um inquérito, pensamos na linguagem, nos suportes e como será acedido pelo público? Quando enviamos um e-mail, simplificamos a mensagem e organizamos a informação de forma prática?

Adotar esta forma de estar, pensar e comunicar significa aplicar as quatro dimensões da literacia em cada projeto, documento, ação ou conversa. Significa garantir que, quando promovemos a mudança de comportamentos, oferecemos também as ferramentas para a tornar possível. Não se trata de adicionar uma etapa aos nossos projetos - trata-se de mudar o modo como olhamos para o impacto real das nossas ações.




PS: Este texto foi organizado em subtópicos e bullet points, uma das boas práticas de literacia em saúde, para facilitar a leitura de conteúdos.






Duarte Vital Brito | LinkedIn & Website

Médico assistente de saúde pública na ULS Lisboa Ocidental, E.P.E.

Docente na área de Comunicação em Saúde na Universidade Católica Portuguesa

Membro da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde


CONTACTOS

Av. Almirante Gago Coutinho, 151

1749-084 Lisboa

NEWSLETTER

Receba todas as novidades mais relevantes da ANMSP diretamente no seu email.

Subscreva a nossa newsletter aqui.

REDES SOCIAIS
  • Instagram
  • Youtube

© Copyright 2023 SC&DVB. All Rights Reserved.

bottom of page