CULICOIDES - um desafio quase invisível?
- Carolina Torres
- 30 de set.
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Os culicoides são dípteros (insetos com duas asas) pertencentes à família Ceratopogonidae e ao género Culicoides, abarcando mais de 1000 espécies diferentes. Têm dimensões muito inferiores às de um mosquito, medindo entre 1 e 3 milímetros, o que torna a sua identificação taxonómica particularmente desafiante. Por este motivo, na língua inglesa, receberam a designação coloquial de “no-see-ums". Quando observados à lupa, é possível distingui-los através de padrões específicos nas asas, entre outros aspetos mais finos.
Os habitats preferenciais destes artrópodes estão relacionados com a espécie, variando de pântanos salobros a zonas com solo rico em matéria orgânica, frequentemente associado a gado de produção, onde colocam os seus ovos. O seu período de atividade é caracteristicamente crepuscular, podendo ser muito incomodativos (em certos locais, chegam a afetar negativamente o turismo). Tanto os machos como as fêmeas, alimentam-se de néctar de flores, mas à semelhança dos mosquitos e dos flebótomos, as fêmeas necessitam de refeições de sangue para a oviposição. No entanto, a forma de alimentação é diferente da dos mosquitos. Estes últimos sugam o sangue através de um sistema de punção quase impercetível, com administração simultânea de substâncias anestésicas, vasodilatadoras e anticoagulantes. Já os culicoides, alimentam-se através de um mecanismo bastante mais doloroso para o hospedeiro – por "pool-feeding" – que implica uma laceração na pele para gerar uma pequena gota de sangue à superfície.
Os culicoides encontram-se distribuídos por todo o mundo, exceto Antártida e Nova Zelândia. Na Europa, a base do mediterrâneo parece ser a zona que abrange as espécies de maior preocupação, sendo, por isso, naturalmente coincidente com a localização de vários surtos de doenças transmitidas por estes vetores. Entre essas doenças, destaca-se a infeção pelo vírus da Língua Azul, que afeta maioritariamente ruminantes, o vírus da doença hemorrágica epizoótica e a peste equina. Embora estas doenças não afetem diretamente a saúde humana, têm impacto socioeconómico negativo, por exemplo pelas restrições no movimento dos animais e na cadeia de distribuição alimentar.

Aos seres humanos, os culicoides podem transmitir o vírus Oropouche (OROV), que está associado habitualmente a um quadro clínico inespecífico, com febre, cefaleias, mialgias e artralgias. Este quadro clínico é compatível com muitas outras arboviroses, aumentando a complexidade do diagnóstico. Nos casos mais graves, pode provocar meningoencefalite e alterações hemorrágicas.
O OROV é um ortobunyavirus, e foi identificado pela primeira vez em 1955. A razão de, atualmente, ouvirmos falar mais nele deve-se, em larga medida, a identificações cada vez mais frequentes, fora das zonas endémicas, bem como no aumento de casos de doença, muito associado a ciclos urbanos de transmissão. O modo de transmissão vertical e a possível associação com malformações congénitas ainda se encontram em investigação. Por todos estes motivos, tem vindo a reforçar-se a sua vigilância, nomeadamente na União Europeia. De acordo com o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), em junho e julho de 2024, foram notificados os primeiros 19 casos – todos importados – da doença causada pelo OROV em países da União Europeia (nomeadamente, Espanha, Itália e Alemanha), sendo que 18 desses casos apresentavam histórico de viagem a Cuba e 1 ao Brasil. Em novembro de 2024, foi identificado em Portugal um caso importado de Cuba, o primeiro no nosso país, com coinfecção de dengue e OROV.
No passado, foram notificados surtos da doença causada pelo OROV em vários países da América do Sul, América Central e Caraíbas. O principal vetor é a espécie Culicoides paraensis, amplamente distribuído nas Américas, mas ausente na Europa, até à data. Pensa-se que os fenómenos de dispersão das espécies de culicoides sejam essencialmente passivos, havendo evidência científica de que o vento é um excelente mecanismo de auxílio para este fim.
Em Portugal, as espécies mais significativas de culicoides são C. imicola – encontrada maioritariamente nas regiões centro e sul – e C. obsoletus – predominante na região norte. Ambas são importantes na transmissão do vírus da Língua Azul, sendo a C. imicola o principal vetor no nosso país. A vigilância entomológica assume aqui grande importância, pelo conhecimento que fornece da presença e abundância deste e de outros vetores, importantes no contexto de diversas doenças emergentes.
Em Portugal, a Rede Nacional de Vigilância de Vetores (REVIVE) monitoriza a presença de culicídeos, flebótomos e ixodídeos, não fazendo os culicoides parte da mesma. Pela importância que estes vetores assumem, a Direção-Geral da Alimentação e Veterinária (DGAV), em articulação com o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), possuem histórico de trabalho na vigilância deste vetor e das doenças que transmitem.
Na perspetiva da saúde humana, é importante continuar a investigar as espécies de culicoides presentes em Portugal, e averiguar se têm capacidade vetorial de transmitir OROV, uma vez que assistimos ao reporte de casos importados em vários países da União Europeia, incluindo o primeiro no nosso país, em 2024. Seria, por estes e outros motivos, muito importante que se pudesse revitalizar o trabalho prévio desenvolvido em território nacional, neste âmbito, e transpô-lo para um palco de colaboração entre a saúde humana e animal, numa verdadeira perspetiva One Health de abordagem a um importante problema de saúde pública. Simultaneamente, é fundamental a implementação de medidas preventivas, nomeadamente em contexto de viagem para zonas endémicas e a capacitação dos profissionais de saúde, para que possam ter esta suspeita clínica e fazer o reporte aos serviços de saúde pública.
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Carolina Torres
Delegação Regional de Saúde do Centro da Direção-Geral de Saúde
Coordenadora da Equipa Regional REVIVE do Centro
