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Saúde Global no horizonte

Fechámos um ano em que a Saúde Global conheceu marcos e desafios.


Assistimos, finalmente, e após três anos de crise, à declaração do fim da Emergência de Saúde Pública de âmbito Internacional (PHEIC) causada pela pandemia de COVID-19, marcando um ponto de viragem. Foi igualmente declarado o fim da PHEIC pelo surto de Mpox. Novas vacinas contra a malária, contra a dengue e contra a meningite foram aprovadas e começaram a ser distribuídas. Vários países alcançaram marcos importantes com a eliminação da malária ou doenças tropicais negligenciadas. Estamos agora nos estágios finais dos esforços para erradicar a poliomielite e mais de 30 países introduziram a vacina contra o HPV.


O consumo de tabaco diminuiu em 150 países, resultando numa redução global de 19 milhões de fumadores nos últimos dois anos. Avançámos no combate às gorduras trans, com seis países a implementarem proibições ou limites no ano passado e outros sete a aplicarem-nos. Estão em curso esforços para combater a subnutrição e a obesidade infantil, promover o aleitamento materno, aumentar os impostos sobre substâncias nocivas, regulamentar o marketing alimentar dirigido a crianças, incentivar a atividade física e aumentar a segurança rodoviária. Vários países desenvolveram planos de ação "Uma Só Saúde" reconhecendo a ligação entre a saúde dos seres humanos, dos animais e do ambiente. O impacto da crise climática na saúde ganhou (finalmente!) particular destaque na agenda da COP28, com uma declaração global sobre clima e saúde.


Por fim, no ano em que a Organização Mundial de Saúde celebrou o seu 75.º aniversário, a Assembleia Mundial da Saúde reconheceu os esforços coletivos dos profissionais de saúde, parceiros e atores na persecução de "Saúde para Todos" e a Assembleia Geral das Nações Unidas debateu uma agenda cheia de temas de saúde, comprometendo-se a promover a cobertura universal de saúde, acabar com a tuberculose e prevenir futuras pandemias.


Apesar destes marcos, o ano de 2023 foi também marcado por um número invulgarmente elevado de crises com consequências humanas significativas. Os ataques do Hamas a Israel e a subsequente violência em Gaza resultaram em milhares de vítimas e danos significativos nas infraestruturas locais de saúde, que perdurarão nos próximos anos. Resultaram ainda na deslocação de cerca de 1,9 milhões de palestinianos em Gaza. Impacto idêntico regista-se noutras geografias, como a guerra no Sudão, que provocou mais de 7 milhões de deslocados e fome generalizada; a guerra civil na Etiópia; a violência dos gangues no Haiti; a violência dos rebeldes no leste da República Democrática do Congo, que deslocou um número recorde de 6,9 milhões de pessoas; e os conflitos em curso na Ucrânia, em Myanmar, no noroeste da Síria e noutros locais. Não pode ser mais clara a ligação fundamental entre paz e saúde, particularmente pela forma como a insegurança, a pobreza e o acesso inadequado a água potável e saneamento contribuíram para a propagação de doenças infeciosas, incluindo um preocupante ressurgimento da cólera, mas também aumento de doença mental, e exacerbação de condições crónicas.


É neste misto de sensações que iniciamos um ano decisivo para a Saúde Global. Iremos assistir ao desenrolar dos últimos meses de negociação do Tratado Pandémico e da revisão do Regulamento Sanitário Internacional. Está em curso o processo que levará à implementação do 14º Programa Geral de Trabalho (GPW) da OMS (os 5 “Ps”). Este programa responde a uma estratégia ambiciosa e inclusiva que reafirma e nos chama a um último esforço no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável enquanto pretende reforçar a resiliência dos sistemas de saúde. As principais prioridades do GPW13 que terminamos (promover populações mais saudáveis, garantir cobertura universal de saúde e reforçar a preparação para emergências) estão refletidas nos três primeiros dos "cinco Ps" do GPW14, enquanto os restantes “dois Ps” pretendem alavancar e catalisar: promote, provide, protect, power and perform for Health. A estratégia, tudo indica, incluirá seis objetivos estratégicos e 15 metas delineadas para os Estados-Membros e recentrará a atuação da organização na liderança da Saúde Global, no desenvolvimento de parcerias, na aposta da regulamentação técnica e normativa como vantagem competitiva, bem como no apoio aos países e cooperação técnica.



E porque uma estratégia só pode gerar resultados eficazes se for devidamente financiada, teremos, no final do ano, uma inédita Ronda de Investimento da OMS. Reconhecendo que muitas das ineficiências da organização estão associadas à sua forma de financiamento, têm sido implementadas mudanças concretas nos últimos anos, incluindo o aumento gradual das contribuições obrigatórias dos Estados Membros (para 50% do orçamento base), e, recentemente, o novo mecanismo de reaprovisionamento. A aprovação desta modalidade de financiamento reflete um comprometimento político generalizado com a organização e pretende contribuir para a previsibilidade e flexibilidade do financiamento disponível, eliminando lacunas que historicamente limitaram o trabalho da OMS. O cumprimento do objetivo de 7 mil milhões de dólares permitirá garantir o orçamento base do GPW14.


Estes processos, pequenos passos isolados, permitirão reformar a arquitetura global de saúde e corrigir falhas com propósito de aumentar a capacidade de responder a emergências e reforçar o papel da OMS na criação de um mundo mais saudável, seguro e justo. O apelo é para todos. O compromisso é promote, provide, protect, power and perform a Saúde Global.






Guilherme Gonçalves Duarte

Médico de Saúde Pública

Epidemiologista

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