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A Infeção Associada a Cuidados de Saúde como Problema de Saúde Pública

Atualizado: 22 de mar.

Infeções Associadas a Cuidados de Saúde como problema

As Infeções Associadas a Cuidados de Saúde (IACS) constituem o tipo de evento adverso mais comum e mais estudado na área da saúde. Porque estão associadas a um aumento de morbilidade e mortalidade, assim como o agravamento de custos económicos e custos pessoais para o doente e sua família, as IACS são consideradas um problema de saúde pública. Os principais riscos destas infeções são os associados à presença de dispositivos invasivos, procedimentos invasivos e causadas por microrganismos multirresistentes.

Os últimos dados disponíveis, referentes ao Estudo de Prevalência de Infeção 2016/17 organizado pelo ECDC (onde participaram 28 países europeus) relata que 6,5% dos doentes sofriam de, pelo menos, uma IACS (IC95%: 5,4-7,8%), o que corresponde a cerca de 3,8 milhões (IC95%: 3,1- 4,5 milhões) de doentes com, pelo menos, uma IACS num ano na Europa (ECDC, 2023). Importa ainda referir que, num estudo ecológico realizado em 2015 na Europa, estimou-se a ocorrência de cerca de 671 689 infeções por bactérias multirresistentes, das quais 63,5% eram IACS. Estas infeções foram responsáveis ​​por cerca de 33 110 mortes atribuíveis e 874 541 DALY’s (Cassini et al, 2019).


Organização e Evolução Nacional do Controlo de Infeção

A primeira “Comissão de Higiene” surgiu em 1978 no Hospital de Torres Vedras. Uma década depois surge “Projeto de Controlo de Infeção” e, em 1996, o primeiro enquadramento normativo desta área. Em 2000 é criado o “Programa Nacional de Controlo de Infeção”. Este esteve sediado na DGS até 2004 (altura em que foi transferido para a alçada do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge) e, desde 2007 até à atualidade, novamente na DGS. É neste ano que se procede à reformulação do enquadramento normativo, tornando-se obrigatória a existência de “Comissões de Controlo de Infeção” em todas as unidades de saúde, bem como a criação de estruturas regionais (Silva, 2013).

O atual “Programa de Prevenção e Controlo de Infeção e Resistência aos Antimicrobianos” (PPCIRA) surgiu em 2013, resultado da fusão do “Programa Nacional de Controlo de Infeção” e “Programa Nacional de Resistência aos Antimicrobianos”. O PPCIRA, considerado um programa prioritário, tem como principais objetivos reduzir as IACS e diminuir o consumo e resistências aos antimicrobianos. O Despacho nº 15423/2013 cria a obrigatoriedade de responsabilização das estruturas regionais e locais, quer alocando horas específicas às equipas, quer estipulando a participação nos programas de vigilância epidemiológica e a monitorização do consumo de antimicrobianos.

Recentemente, o PPCIRA foi atualizado através do Despacho 10901/2022, de acordo com o qual as estruturas locais hospitalares passam a ser uma “unidade orgânica da instituição, enquanto unidade ou serviço, tendo um diretor médico e um enfermeiro gestor”. De realçar a sua “natureza multidisciplinar, incluindo na sua composição, médicos, enfermeiros, farmacêuticos e outros técnicos de saúde ligados à área de intervenção, nomeadamente um elemento com competências na área da ciência da qualidade e ciência de implementação”. Define, também, indicadores no processo de contratualização de cuidados de saúde no SNS (Índice de Qualidade PPCIRA), assim como a premência no desenvolvimento de um sistema de informação específico.



Estratégias em Controlo de Infeção

As atribuições das equipas que desenvolvem o Plano Operacional do PPCIRA abrangem cinco áreas, a saber:

  1. Vigilância epidemiológica das IACS (com estudos de prevalência e incidência, alguns deles inseridos na rede europeia do ECDC);

  2. Normas e recomendações de boas práticas (as quais, conjuntamente, se constituem no Manual de Controlo de Infeção);

  3. Formação e Informação, designadamente aos profissionais de saúde (pré e pós-graduada), aos doentes e respetivos cuidadores, assim como à comunidade em geral, (contribuindo para o fortalecimento da literacia);

  4. Consultadoria e apoio (através da elaboração de pareceres em obras de construção/ remodelação; colaboração com comissões para seleção de produtos clínicos e equipamento e, ainda, na realização de auditorias às boas práticas);

  5. Programa de Apoio à Prescrição Antimicrobiana (recorrendo a metodologias restritivas e capacitadoras, abrangendo ações de natureza educacional, comportamental e de informação e sensibilização, com retorno de informação aos interessados).


Exemplo de material da ULS de Matosinhos para promover a literacia na prevenção de IACS de profissionais de saúde, doentes ou cuidadores.


Sob o ponto de vista de custo-efetividade, uma revisão sistemática recente analisou intervenções na área das IACS, encontrando forte evidência nas práticas de: adesão à higiene das mãos; descontaminação ambiental; vigilância epidemiológica e intervenções multimodais (Rice et al, 2023). De facto, sendo comprovadamente difícil avaliar o contributo de intervenções isoladas, já estratégias multimodais têm revelado evidências robustas. É exemplo disso a World Alliance for Patient Safety, que a OMS lançou em 2004, colocando no topo da agenda a necessidade de cuidados de saúde de qualidade. Em Portugal o primeiro desafio desta iniciativa mundial surgiu em 2008, com a estratégia multimodal para melhorar a adesão à higiene das mãos.

Também a metodologia das bundles (feixes de intervenção), lançado em 2001 pelo Institute for Healthcare Improvement, tem permitido obter bons resultados (Xavier e Pinheiro, 2015). Esta metodologia multimodal tem sido aplicada em hospitais portugueses desde 2015, com a designação “Stop Infeção Hospitalar”, permitindo uma redução dos quatro principais tipos de IACS (nomeadamente aquelas associadas a dispositivos/procedimentos invasivos).


Desafios Futuros

Com o fenómeno da globalização, o cenário epidemiológico das doenças infeciosas tem-se revelado como rapidamente mutável, nomeadamente com a possibilidade de repercussões pandémicas (como o exemplo do SARS-CoV-2). Por outro lado, face ao aumento da esperança de vida, as características da população que necessita de cuidados de saúde tem vindo a alterar-se, a par da implementação de novas tecnologias de diagnóstico e tratamento.

Nesta matéria, a anunciada organização do SNS, com base em Unidades Locais de Saúde, oferece-se com o potencial de melhorar o planeamento, gestão e comunicação entre níveis de cuidados de saúde. No entanto, como médico de saúde pública a trabalhar na área da prevenção das IACS, posso antever que ainda há um longo caminho a percorrer para melhorar nas várias interfaces de trabalho, nomeadamente entre Unidades de Saúde Pública; Serviços/Unidades de Controlo de Infeção e Resistência aos Antimicrobianos e Serviços de Investigação, Epidemiologia Clínica e Saúde Pública Hospitalar, existentes nas várias instituições de saúde. A responsabilidade partilhada é, na minha opinião, um poderoso instrumento para melhorar transversalmente tal interface e preparar(se), perante desafios epidemiológicos e fluxos de informação cada vez mais exigentes.




David Valente Peres

Médico Especialista em Saúde Pública e Infection Preventionist

Serviço de Controlo de Infeção e Resistência aos Antimicrobianos da Unidade Local de Saúde de Matosinhos (ULSM)

Presidente da Direção da Associação Nacional de Controlo de Infeção (ANCI)







Referências

  1. Cassini A, Högberg LD, Plachouras D, et al (2019) Attributable deaths and disability-adjusted life-years caused by infections with antibiotic-resistant bacteria in the EU and the European Economic Area in 2015: a population-level modelling analysis. Lancet Infect Dis;19(1):56-66.

  2. Circular Normativa da DGS nº 18/DSQC/DSC de 15/10/07 - Comissões de Controlo de Infecção

  3. Circular Normativa da DGS nº 24/DSQC/DSC de 17/12/07 - Grupos Coordenadores Regionais de Prevenção e Controlo de Infecção (GCR)

  4. Despacho 15423/2013, de 26 de Novembro - Cria os grupos de coordenação regional e local do Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos.

  5. Despacho n.º 10901/2022, de 8 de setembro - Atualiza o Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos (PPCIRA)

  6. ECDC (2023) Point prevalence survey of healthcare associated infections and antimicrobial use in European acute care hospitals, 2016-2017. Stockholm: European Centre for Disease Prevention and Control.

  7. Peres D (2017) Prevenção e Controlo de Infeção e Resistência aos Antimicrobianos (PCIRA) e Seu Interface entre Níveis de Cuidados de Saúde. Newsletter da Unidade de Saúde Pública do ACES Porto Oriental nº 27.

  8. Pina E, Ferreira E, Marques A, Matos B (2010) Infecções associadas aos cuidados de saúde e segurança do doente. Rev Port Saúde Pública. 10:27-39.

  9. Rice S, Carr K, Sobiesuo P, et al (2023). Economic evaluations of interventions to prevent and control health-care-associated infections: a systematic review. Lancet Infect Dis;23(7):e228-e239.

  10. Silva MG (2013) Controlo de infeção em Portugal: evolução e atualidade. Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP.Vol5: 2-8.

  11. Xavier LL, Pinheiro MJ (2015) STOP Infeção Hospitalar! - Um Desafio Gulbenkian. Lisboa: Fundação Calouste de Gulbenkian.

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