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Eventos de Massas



Após o período pandémico, marcado por diversas restrições, incluindo o cancelamento ou o adiamento de múltiplos eventos, há agora uma retoma notória deste tipo de actividade.


Os eventos de massas ou de multidões (mass gatherings) podem ser definidos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), como reunindo "mais do que um determinado número de pessoas num local específico para uma finalidade específica, por um período definido de tempo". É uma definição bastante lata, e que abrange efectivamente uma enorme multiplicidade de eventos. Podem incluir-se as festas associadas aos Santos Populares, o Festival da Eurovisão ou o Rock in Rio, mas também as manifestações políticas. Podemos falar de eventos a nível local, ou de outros com enorme dimensão, como a EXPO 98 ou o EURO 2004. Há agora uma enorme expectativa em relação ao que se vai passar em 2023, com aquele que é previsível vir a ser o maior evento de massas de sempre em Portugal, como é o caso das Jornadas Mundiais da Juventude.


Sendo certo que estes eventos representam um enorme desafio logístico e de organização, há também uma componente de saúde que não pode ser ignorada. A própria OMS reconhece essa dimensão, tendo elaborado o relatório “Public Health for Mass Gatherings: Key considerations”, reflectindo a necessidade de planear adequadamente os grandes eventos de massas e dotar de recursos esta área, ainda pouco trabalhada em Portugal e até a nível internacional, com relativamente poucas publicações. Reconhece também que a existência de conhecimento e profissionais treinados para lidar com este tipo de eventos é fundamental.


Vivemos num país particularmente vocacionado para grandes ajuntamentos de pessoas, com um clima apetecível, um contexto seguro, uma indústria turística relevante e com custos moderados, o que se reveste numa particular atractividade a nível internacional.


Há um conjunto de riscos concretos que está associado aos eventos, pois aumentam o número de contactos interpessoais, frequentemente associados a uma concentração elevada de participantes. Os eventos decorrem frequentemente com recurso a estruturas improvisadas, o que faz com que as condições de funcionamento sejam precárias, quer do ponto de vista das instalações de restauração e bebidas, mas também o alojamento e as instalações sanitárias. Do ponto de vista comportamental, também os eventos propiciam que haja comportamentos diferentes, frequentemente com consumos de álcool elevados e fazendo uso de drogas recreativas. Importa também não esquecer que quem quer que participe num evento está também sujeito aos riscos, pelo que podem ocorrer episódios de doença aguda, ou descompensação de doença crónica.


Há uma enorme necessidade de criar legislação associada à componente de saúde dos eventos de massas, pois existe um vazio legal em relação ao que deve ser assegurado. Esta lacuna faz com que fique muitas vezes ao critério do promotor do evento a definição da mobilização de meios para os eventos, resultando numa enorme assimetria, com eventuais riscos para quem frequenta os eventos


Normalmente, a intervenção da Saúde divide-se em duas vertentes: a Saúde Pública e a prestação de cuidados.


No caso da prestação de cuidados, é necessária a existência de recursos humanos e logísticos diferenciados, virados para a emergência pré-hospitalar, mas que têm também que atender às necessidades de saúde de uma comunidade com a dimensão de um festival. Tem também de haver uma articulação com o Sistema Integrado de Emergência Médica do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), para uma utilização mais ágil e com resultados efectivos dos recursos disponíveis.


A componente associada à Saúde Pública, sendo habitualmente mais discreta, é bastante mais vasta e inclui, entre outros, o cumprimento dos requisitos higio-sanitários (segurança alimentar, a qualidade de águas de consumo e recreativas, por exemplo), vigilância epidemiológica e as oportunidades de promoção da saúde.


No âmbito da protecção da saúde, a realização de visitas e vistorias aos recintos permite antecipar problemas, identificar vulnerabilidades e propor medidas correctivas, para que durante o evento a situação evolua sem intercorrências.


No que diz respeito à vigilância epidemiológica, o registo e análise das ocorrências de saúde é fundamental para a identificação precoce de eventuais problemas de saúde, como sejam surtos de doença gastrointestinal. Isto permitirá uma intervenção rápida, limitando os impactos na saúde de todos os envolvidos.


Por outro lado, há várias iniciativas a destacar na área da minimização do risco e redução do dano, como sejam as iniciativas das Divisões de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependências (DICAD) com a distribuição de materiais de informação e prevenção (preservativos, testes álcool, por exemplo) mas também da Associação Kosmicare (com serviços de DrugChecking e InfoHub).


Há também uma componente de articulação com outras entidades, como sejam os Promotores, os Prestadores de Cuidados de Saúde, a Protecção Civil, as Forças de Segurança, ou as Autarquias, bem como os diversos parceiros económicos, que permite também assegurar um evento com menos riscos.



O Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) tem tido intervenção nesta área, tendo colaborado na vigilância epidemiológica de vários eventos, onde se inclui o Centenário da Peregrinação a Fátima em 2017, o Festival da Eurovisão, mas também outros eventos regulares, como o Carnaval de Torres Vedras, o BOOM Festival ou o Festival Andanças. Envolveu também nas equipas de vigilância epidemiológica cerca de 50 Médicos (e principalmente Médicos Internos) de Saúde Pública, que terão seguramente adquirido ferramentas para implementarem nos seus actuais locais de trabalho. Adicionalmente, criou oferta formativa nesta área, com a criação do Curso EpiMassas, tendo a primeira edição sido bastante participada.


Sendo uma área de nicho, é seguramente uma área em crescimento e que é expectável que possa a consolidar-se ao longo dos próximos anos. E a Saúde Pública tem aqui um papel fundamental, que devemos conservar na nossa área de intervenção. A capacidade de desenvolver este trabalho, em articulação com as diversas entidades, é também uma ferramenta de afirmação das nossas competências.




Ricardo Mexia

Médico de Saúde Pública no Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge



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